"Eram aproximadamente 16:45 quando eu decidi sair com você para jogar bola em um lugar gramado aqui perto de casa. Foi uma tarde bem divertida! Corremos, brincamos, ficamos no parquinho. Você me ajudou a recolher um lixo que uma galera mal educada, que vive bebendo nessa praça, deixou da última vez.
Deixei você fazer um gol com as
mãos (a gente usa a grade de referência, não precisa ter trave. Tendo o
fundo, já é gol, então a gente faz bastante!). Te ensinei a escalar a
grade do parquinho para que você não precisasse dar a volta só para
passar pra dentro ou para fora pela porta. Você fez sozinho mais algumas
vezes, e influenciou um menino da sua idade, até o pai dele brigar. Não
entendo esses pais. Eles não dão coragem pros filhos. Ou eu posso estar errada.
Mas a sua coragem é tão incrível! Você bateu a cabeça em um
brinquedo, me procurou assustado só para ver se eu estava prestando
atenção, e eu perguntei se você tinha machucado. Você gritou tão alto
"ainda não, mamãe!!!" que uma moça que estava do outro lado do parquinho
riu sem parar.
Achei incrível, como é, toda vez que eu entro
nesse teu mundo mágico e coloco a imaginação pra ser criança de novo. E
sempre nesse "ainda não" você vai me levando.
Só que hoje
você foi um pouco longe demais com o seu ainda não. À medida que o sol
foi baixando e a noite começando a esfriar, eu comecei a te preparar
para ir embora sutilmente. Então eu comecei a te chamar. E você começou a
fingir que não me escutava. Então eu te chamei 8 vezes seguidas,
explicando entre elas a necessidade de irmos embora, pois estava ficando
frio e já estávamos resfriados o suficiente...
Teve uma hora
que eu tive que sair do modo amiga e passar para o modo mãe autoritária
que eu odeio ser. Isso não é um relacionamento abusivo. Mas eu me
pergunto se eu tenho ido longe demais nessa minha busca por paciência
para lidar com qualquer tipo de adversidade que venha de você e tentar
conciliar que, como indivíduo, você tem livre escolha, mas sendo uma
criança, ainda precisa de ajuda para tomar decisões, como não ficar até
mais tarde no parquinho pois está frio e pode ficar doente.
Mas
você não curte muito esse meu lado autoritário. Você continua fazendo e
teimando, e eu começo a me desesperar internamente pois sei que estou
perdendo essa autoridade aos poucos. E ultimamente você tem tentado
desmentir quando eu digo o que eu sinto. Quando eu digo "eu estou
ficando triste com isso e chateada com você", você fala que não estou,
que não é verdade, como se eu tivesse que aceitar tudo o que você faz.
Respiro fundo. Lembro que você só tem 4 anos e que talvez eu quem esteja
racionalizando demais. Mas você continua apertando esse acelerador da
rebeldia e pronto, tudo que construí até aqui... não sei mais levar a
partir daqui. Te arrastei para dentro de casa, calada, me sentindo
extremamente frustrada. Estava tudo tão maravilhoso! Em que momento
ficou assim? Meu filho está crescendo e qual o limite de autoridade vs o
de auto suficiência nessa fase? Que fase!
Sentei no topo
da escada, e você sentou no chão, lá em baixo. Eu continuei a te
chamar, para irmos tomar banho e tirar toda a terra do parquinho. Você
continuou a tentar me convencer que eu poderia ver a situação com os
seus olhos, do seu jeito, e eu juro filho, eu estava realmente tentando!
Até que não consegui mais, e entrei no meu modo mais imbecil de
frustração: a raiva. Te trouxe à força para o banheiro e tentei tirar a
sua roupa sem sucesso. Era como se mais alto você gritasse mais a minha
frustração ia sendo transformada em raiva até que tirei o chinelo do pé e
te ameacei. Nessas horas eu penso se eu poderia estar evitando tudo
isso. Respirei. Sentei no vaso fechado, olhei nos seus olhos e tentei
mais uma vez te tomar de diálogo. E mais uma vez foi em vão. Cansada,
depois de nomear todos os castigos que eu te daria em forma de privação,
eu resolvi dar um tempo para mim.
Você veio para o
quarto, eu peguei minha toalha e fui tomar o meu banho. Pedi por favor
para que nem sua avó nem o seu avó fossem falar com você, para que você
pensasse nesse nosso momento, e então com mais calma pudéssemos
conversar até você entender sem precisar de violência. Mas assim que
entrei no chuveiro ouvi seus gritos e, para ser sincera, eu não sei se sua
avó te bateu ou apenas tirou a sua roupa de forma mais bruta. Eu saí
chateada com ela pois a única coisa que eu havia pedido era que ninguém
fosse mexer contigo. E começamos a discutir, eu e ela. E agora eu to me
sentindo péssima e frustrada pois não consigo nem tentar levar do meu
jeito com você, ao mesmo tempo que eu sempre acho que eu to fazendo tudo
errado. Eu realmente acho que bater não é o caminho. Me machuca quando
eu te encosto o dedo para te machucar. Não acho que a gente tenha que se
machucar para depois não ser machucado, como dizem que a gente "apanha em casa, para não apanhar na rua". Até por que todo mundo se
machuca uma hora. Temos que estar preparados e saber se curar
daquilo.
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